Derrota apertada traz consolação ou dói mais? A ciência explica

Bruno Henrique saiu orgulhoso, mas triste do Catar
Bruno Henrique saiu orgulhoso, mas triste do CatarNoushad Thekkayil / NurPhoto / NurPhoto via AFP

Existe um problema psicológico em perder uma final nos pênaltis, como aconteceu com o Flamengo na Copa Intercontinental desta quarta (17).

Esse fenômeno é conhecido pelos psicólogos do esporte como "near-miss” ("por pouco", em tradução livre do inglês).

Veja como foi PSG (2) 1x1 (1) Flamengo

O efeito é estudado em jogos de azar. Ele é um problema no pôquer, por exemplo, porque lá o jogo continua e faz o jogador seguir apostando, afinal ele "quase ganhou" na mão anterior. No futebol, o prejuízo para os torcedores é "apenas" emocional, mas machuca.

Diferença de atividade cerebral entre vitória, derrota e near-miss de jogador de cassino
Diferença de atividade cerebral entre vitória, derrota e near-miss de jogador de cassinoJournal of Gambling Studies

Consolação versus ficar no quase

A alegria da vitória ou a dor da derrota vem acompanhada de um coquetel de emoções.

O torcedor nunca está apenas feliz ou triste com o resultado do seu time. Ele sai do jogo feliz, orgulhoso e aliviado, ou sai entristecido, puto e injustiçado. Ou uma dezena de outros sentimentos ao mesmo tempo.

Quando a gente perde jogando de “igual para igual" — como disse o atacante rubro-negro Bruno Henrique após cair nos pênaltis na final contra o PSG — há um componente de consolação e orgulho que ajuda a cicatrizar a dor.

No entanto, esse sentimento é atropelado por outro, mais sorrateiro e duradouro: o sentimento de “quase deu".

Por que derrotas apertadas podem doer mais?

Perder por pouco ativa o chamado efeito do quase-acerto. Estudos mostram que o cérebro reage com mais intensidade a um “quase sucesso” do que a uma derrota distante, porque ele interpreta a situação como muito próxima da recompensa.

Ainda mais quando seu time chegou tão perto da vitória na final, depois de ter chegado tão longe no campeonato.

Em derrotas apertadas, surge a sensação de que algo poderia ter sido feito diferente. Isso gera autocrítica, frustração e um ciclo de pensamentos do tipo “e se…”, que prolonga o sofrimento emocional.

Torcida do Fla chegou bem perto da taça
Torcida do Fla chegou bem perto da taçaGilvan de Souza/Flamengo

Jogos equilibrados mantêm a esperança viva o tempo inteiro. Quando o resultado negativo vem no fim, o contraste entre expectativa e realidade é muito maior — e essa quebra repentina pode intensificar a dor da derrota. Já em uma derrota clara, o cérebro “aceita” o resultado mais cedo.

E essa frustração é infernal: no começo traz incredulidade, depois você fica remoendo o chute que não entrou, refazendo a trajetória da bola do fim do jogo, etc, etc.

Da mesma forma, a vitória num cenário de drama é mais emocionante para os ganhadores.

Explosão interrompida

É sabido que nós torcedores conectamos nossa identidade emocional ao clube do coração. Quando nosso time perde — especialmente em jogos decisivos — isso pode ativar uma resposta de estresse parecida com a de outros fracassos pessoais (aumento da frequência cardíaca, alteração de humor e uma sensação de vazio).

Outro “problema” é que vitórias liberam dopamina, o neurotransmissor ligado à sensação de recompensa e bem-estar. A derrota interrompe essa liberação esperada pelo corpo quando vemos a taça de pertinho.

Luxemburgo tinha razão

Nosso cérebro é programado para sentir perdas com mais intensidade do que ganhos equivalentes, diz uma corrente comportamental desenvolvida pelos pesquisadores Daniel Kahneman e Amos Tversky – e aceita há mais de 4 décadas.

Não é à toa que, nas palavras sábias do ex-técnico Vanderlei Luxemburgo, “o medo de perder tira a vontade de ganhar”.

Quando o seu time perde, o impacto emocional costuma ser mais forte do que a satisfação trazida por uma vitória anterior.

Conclusão: ser "campeão do De Igual Para Igual”, como brincaram secadores nas redes sociais após a derrota do Fla contra o PSG, não é um troféu que faz bem.

Mas pertence ao futebol. Cada derrota deixa sua marca, e torcedor que é torcedor, vive cheio de cicatriz.

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